Quando a morte chega antes do nascer
Durante a gravidez o casal e a família preparam-se para a chegada do futuro membro da família.
O bebé passa a fazer parte das conversas no seio familiar, a vida começa a ser programada em função da chegada do bebé e os irmãos (quando existem) começam a ser preparados para a chegada do seu novo companheiro de crescimento. Assim a gravidez é um acontecimento que influencia as componentes bio-psico e social da grávida e toda a família.
O processo parental inicia-se, na maior parte das vezes, com o desejo de engravidar. E nos casos em que a gravidez ocorre sem ser planeada, depois da surpresa inicial, as hormonas insistem que esse processo se inicie o mais brevemente possível, para que quando o bebé nascer seja recebido com todo o amor a que tem direito. 
Nos casos em que a gravidez não foi planeada há por vezes um turbilhão de emoções (nas cabeças e corações da mãe e do pai) que quando culminam na aceitação dessa gravidez estabelecem de uma forma veloz o processo parental, levando a um enamorar do bebé durante a gravidez, ansiando o dia do nascimento para o conhecer.
A barriga cresce e os primeiros pontapés do bebé são sentidos, urge a necessidade de comprar as primeiras roupinhas, preparar a mala para a maternidade/hospital e decorar o "cantinho" do bebé que aí vem.
As ecografias mostram os primeiros sorrisos e permitem contar os dedos.
A expectativa aumenta a cada dia.
...
Um dia, sem razão aparente para tal, os pontapés já não se sentem e o bebé parece estar demasiado parado...
É estranho, mas... deve ser normal... se calhar está a dormir mais estes dias... mas... será que está tudo bem? Ascende um medo tão grande no peito da mãe, ainda grávida, mas já mãe.
O caminho para a maternidade/hospital faz-se num silencio angustiante e sombrio alimentado pela dúvida.
Depois da admissão administrativa na urgência de obstetrícia  a espera pela avaliação por parte da equipa de saúde materna faz aumentar a ansiedade na mente desta mãe que, apesar de carregar agora um medo aterrador, ainda acredita estar tudo bem com o seu bebé.
O primeiro contacto com a Enfermeira das triagens é simpático e acolhedor.
Num ápice, depois de a grávida dizer a razão pela qual foi à urgência, o sorriso que a Enfermeira tinha no rosto desaparece dando lugar a um olhar preocupante e assustador..
A médica realiza a sua avaliação e diz:
- não tenho boas noticias para lhe dar... O coração do bebé já não bate.
-Não bate como? pergunta esta mãe:
- Como assim, não bate?
Olhando a equipa de saúde que a rodeia as lágrimas caem pelo rosto desta mãe ainda incrédula ... E agora?
...
Segue-se um protocolo.
A ainda grávida, será internada num internamento de grávidas e será induzido o parto. Quando estiver em trabalho de parto irá para a sala de partos.
Internamento de grávidas? Será este o sitio mais adequado para esta mulher? Num Hospital Central não há mais nenhum lugar onde esta mãe, o pai e a família possam interiorizar o que lhes está a acontecer e iniciar um processo de luto pelo seu filho que ainda não nasceu? 
O trabalho de parto desenvolve-se, vão para a sala de partos. Os profissionais não parecem estar à vontade com o que está a acontecer.
Ouvem-se pessoas nos corredores, ao telefone  contam que o seu bebé já nasceu, que é lindo e está a mamar. Ouvem-se bebés a chorar, pessoas a rir.
Na mente destes pais surge o pensamento: o nosso bebé não vai chorar, o nosso bebé não vai mamar. Devemos ver o nosso bebé quando ele nascer? Será que fazemos bem? O que devemos fazer?
O bebé nasce. Para a morte, mas nasce.
…
- E agora?
Protocolos, estudos complementares de diagnóstico e um novo internamento no serviço de gravidas.
Internamento de Grávidas? Outra vez? Porquê? Não há mesmo outro lugar?
Os pais e a família deste bebé secam as lágrimas ou então não as deixam cair, guardando-as, aumentando assim o seu sofrimento hoje, amanhã e dos dias que virão.
A Mãe tem alta, acompanhada pelo pai abandonam o internamento, rumo às cerimónias fúnebres, com um acompanhamento psicológico profissionalizado escasso e às vezes inexistente.
Entraram grávidos no hospital, vão embora de mãos vazias e coração destroçado, com inúmeras burocracias para cumprir num curto espaço de tempo.
Ninguém está preparado para perder um filho. É contra-natura! Muito menos antes de nascer.
As instituições não estão estruturadas para isso acontecer. Os departamentos de obstetrícia estão formatados para os cuidados pró-vida.
Felizmente as mortes in útero são cada vez menos,  mas continuam a acontecer.  Falando da tão apregoada Humanização dos cuidados de saúde seria bom reavaliar as condições de alojamento em caso de morte fetal, criar protocolos de acompanhamento psicológico efectivo e regular de acordo com a necessidade de cada família, bem como a realização de formações/actualizações por parte de todos os profissionais envolvidos sobre a intervenção junto dos pais e família em fase de luto por morte fetal.
Porque cuidar no processo de luto, também pode ser Cuidar no Nascer.
PS: Dedicado à A. e ao V.
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